O fracasso da educação paulista não pode ser visto somente pelos problemas internos, resumindo-se na má formação do professores. Ao tentar jogar toda a culpa sobre a má formação dos professores, o governo Serra procura esconder o grave abismo social que impede que o alunado da escola pública cresça em ambiente educacionalmente mais frutífero. Por Ronan
Em um livro que permanece atual – Sobre Educação – Maurício Tragtenberg chamou a atenção para o fato de o Brasil não possuir problema educacional, mas problemas socioeconômicos. É exemplo disso sabermos que a escola que obteve um dos últimos lugares dentre 5.500 no Estado de São Paulo tinha pouca frequência nos dias de chuva, pelo fato de as ruas não serem asfaltadas e uma de suas entradas ficar alagada. Obviamente, entre a lama e a enchente, os alunos preferiam ficar em casa.
Certamente o país possui problemas estritamente educacionais, visíveis nos conflitos entre a União e os estados sobre os modelos adotados, visíveis ainda na indefinição sobre currículo, modelo avaliativo, normas disciplinares, formação continuada, recuperação paralela, métodos de ensino e uma infinidade de outros elementos. De forma geral, o ensino no país é praticado na base do amadorismo, onde os professores recebem conhecimentos das faculdades – nem sempre seguros - e pouca ou nenhuma visão sobre como atuar e sobre modelo geral de educação. Há, no meio educacional, uma falta de pensar sobre o que é educação, sobre como agir.
É importante frisar que não podemos esquecer a questão da má qualificação dos professores e é bom que ela esteja no centro do debate atual. Entretanto, necessitamos relembrar a máxima de Tragtenberg porque o fracasso educacional brasileiro está relacionado com os altos níveis de desigualdade e pobreza no país. Dados do IPEA, publicados na Folha de São Paulo (9/02/2010), apontam que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam universidade em 2007. Ainda, menos da metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos cursava o ensino médio. As disparidades regionais e entre campo e cidade dizem mais: 57% desses adolescentes que vivem nas cidades brasileiras frequentam o ensino médio, índice que cai para 31% no caso dos que residem no campo. A pobreza é um forte fator antieducacional. Na própria arquitetura das escolas destinadas previamente aos jovens mais empobrecidos vê-se uma indicação antecipada do fracasso escolar.
O impacto das familías e da situação socioeconômica das mesmas é evidente. Estudos [1] apontam que até 70% do desempenho educacional de um aluno está relacionado com o fator família. A depender do meio social em que uma criança é criada, ela pode atingir os 12 anos com um vocabulário que contenha 4 mil palavras, no caso de ambientes iletrados, ou um vocabulário que contenha 12 mil palavras, no caso de ambientes culturalmente mais ricos.
O fracasso da educação paulista não pode ser visto somente pelos problemas internos, resumindo-se na má formação do professores. Primeiro, temos que ponderar os graves problemas sociais, que ofertam alunos em situações complexas para uma escola excludente e degradada. Segundo, a má formação dos professores envolve tanto os fatores de exclusão, uma vez que os baixos salários atraem profissionais dos setores pauperizados, geralmente ex-alunos da escola pública, quanto a má gestão de cúpula. O professor mal formado é fruto de um ensino superior dominado por interesses mercantis que bem sabem comprar as autoridades públicas para que não haja fiscalização e controle.
Ao tentar jogar toda a culpa sobre a má formação dos professores, o governo Serra procura esconder o grave abismo social que impede que o alunado da escola pública cresça em ambiente educacionalmente mais frutífero. Ainda, esconder que esse mesmo governo oferece aos estudantes uma escola degradada que sequer possui papel higiênico e sabonete. Para completar, esconder a conivência do longo governo paulista com instituições de ensino superior enganadoras, acompanhada da ineficácia geral em combater a má qualificação docente e mobilizar forças outras pela melhoria do ensino. Não podendo esquecer o grave problema de que o mesmo governo que fala em meritocracia é o mesmo que preenche mais de 20 mil cargos de gestão educacional mediante critérios clientelistas – o famoso quem indica – lotando as escolas com gente mal formada e descompromissada em cargos de gestão.
A má gestão paulista em educação, além da pobreza material, fica evidente na ausência das universidades na produção de material didático, de filmes, documentários, programas de computador, de um portal estadual da educação, da formação continuada dos professores, dentre outros. Se há problemas na qualificação dos docentes, além de estabelecer um mínimo de exigências para os centros formadores, o caminho seria o governo assumir a culpa pelo seu fracasso em proporcionar formação continuada digna desse nome e oferecer aos professores qualificações necessárias. Para tal, aqueles que necessitassem de formação complementar deveriam passar pela mesma sem perda de salários, para o caso de terem que se afastar das aulas.
Ao contrário, o caminho do governo tem sido o de usar o professorado como bode expiatório para o fracasso peessedebista na educação. A manutenção de 100 mil professores não concursados, metade da categoria, além de economizar uma grana enorme, pois os mesmos não recebem licença-prêmio e 1/3 de férias, cria uma situação de instabilidade empregatícia e disputa entre a categoria que é muito útil ao governo para desmoralizar a mesma. Nesse intuito, tem contado com o apoio explícito da imprensa paulista e da mídia que faz vistas grossas aos graves erros de gestão, aos problemas estruturais, dentre outros. Também tem se beneficiado de um sindicato que ficou preso às discussões salariais e não se preparou, nem organiza a categoria, para o embate atual que gira em torno dos modelos educacionais.
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